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Foto do escritorRaquel Casini

Leituras da Raquel II — Lições de felicidade, de Ilaria Gaspari



Per la prima volta dopo molto tempo, ritrovo la sensazione asprigna della libertà, mentre tutto crolla e si disperde. Forse è il momento di pensare a un modo per essere felice. Chiunque abbia vissuto, una volta nella vita, l’inebriante esperienza del trasloco, lo sa: si comincia sempre dai libri.


Pela primeira vez depois de muito tempo, reencontro a sensação amarga da liberdade, enquanto tudo desaba e se dispersa. Talvez seja o momento para pensar em uma maneira de ser feliz. Qualquer um que tenha vivido, uma vez na vida, a experiência inebriante da mudança, sabe: começa-se sempre pelos livros.


Lezioni di felicità - Ilaria Gaspari


Na primeira semana desse ano, recebi de um amigo que me conhece muito bem uma mensagem muito empolgada que me recomendava a leitura do livro Lições de Felicidade, de Ilaria Gaspari. Era um áudio em que era possível escutar as nuances e o ânimo na voz dele enquanto dizia:


“Raquel, você precisa ler esse livro, é de uma autora italiana, uma filósofa na verdade, e ela é muito jovem né, ela é bonita, ela tem instagram, e ela é italiana, é uma espécie de escrita autobiográfica e quando eu abri pra ver do que se tratava o livro ele começa com uma citação de Epicuro. Raquel, pra mim aquele livro é tudo que você precisa na sua vida.”


Aos que não sabem, meu cachorro se chama Epicuro e esse não é um nome comum em cachorros, a galera do pet shop pega um pouco mal inclusive, mas esse cachorro é um pouco do que o Epicuro filósofo é também, coitado. O áudio de recomendação acabou com essa coincidência canina, dizendo que a Ilaria Gaspari tem um cachorro também, mas ele não se chama Epicuro, apesar de ser também muito fofinho. Tudo que eu preciso na vida foi um pouco exagerado, mas essa leitura era o que eu precisava sim em alguma medida.


O livro é uma espécie de diário em que a autora, em um momento extremamente difícil, resolve buscar algo para si na vida real, naquele momento em que tudo desaba, nos livros que tinha e para os quais se entregou tanto ao longo de sua vida ainda jovem, ainda desesperada por querer lidar com filosofia na contemporaneidade, por ser uma mulher estudiosa e que, com estudo, pensamento e escrita tenta se manter no mundo. Ela começa a escrever enquanto está de mudança, encaixotando uma porção de livros que ela tinha, alguns que ela nem lembrava que tinha, e se coloca disposta a mudar de casa e de perspectiva sobre si em um mesmo período e, para isso, escreve seis semanas de puro fluxo de consciência guiado por escolas filosóficas que ela, de algum modo, se identifica.

Semana Estóica, Semana Epicurista, Semana Cínica, Semana Pitagórica. Isso parece bastante chato, eu sei, mas ela é capaz de relacionar na própria escrita as escolas filosóficas e os elementos cotidianos que todos nós temos ou parecemos ter, como embalar coisas de mudança, caminhar no parque, ir a um restaurante, limpar os óculos que estão sujos. Estudei filosofia antiga por um tempo, mas de contemporâneo nunca tive o prazer de ler algo de filosofia tão leve e simples, mas jamais simplista.

A Gaspari é uma autora de muita erudição, mas que não me parece ter escrito algo em busca de compreensão externa ou de aprovação com relação a solidez de seu percurso formativo clássico. Cada página das Lições de felicidade parecem uma busca de autoconhecimento grande dela mesma ao enfrentar o peso de muitas mudanças que acontecem na vida pessoal e que esbarram nas demais esferas da vida que ela leva.


A figura do cachorro foi bem intensificada como parte da recomendação e, de fato, representa muito o possível encontro da felicidade da Gaspari no final dessa autoescrita movida a filosofia e atenção ao cotidiano.


Fala de felicidade, é algo que eu estava precisando mesmo na minha vida no início do ano, e sigo precisando também em alguma medida, mas não mais que qualquer outra pessoa no mundo e do mundo. A Gaspari precisava também e estava desesperada para encontrá-la e, tão desesperada, ela buscava na filosofia as respostas que precisava para tentar encontrar as forças que precisava para encontrar outras respostas a tantas das suas questões, que muitas vezes não existiam. Quando ela se dava conta disso, a narrativa se tornava ainda mais desesperada, ainda mais perdida no mundo do pensamento regado a solidão, pensamento escrito e filosofia clássica.


Cito inicialmente a passagem dos livros, que está bem no começo do livro mesmo, e representa o início da mudança de casa que ela tem, mas os livros representam também o fim de uma mudança, já que a caixa mais tranquila de se manter guardada em meio a uma mudança é a dos livros, mais fácil você precisar de um copo limpo antes de precisar de um livro que você já leu.

Além dessa passagem, há outras muito memoráveis, como a dos óculos. Em alguma das semanas, ela deixa de lado os óculos que precisa usar e tenta sentir o mundo através dos outros sentidos que tem e, na verdade, parece sentir apenas desespero.


Mas o momento mais lindo da descrição da Gaspari é o final, na semana cínica, em que ela tenta amarrar tudo o que aprende com tantos filósofos e com tanta autoreflexão em suas últimas cinco semanas e ela acaba fazendo o que pode ser feito por todas as pessoas daquela mesma maneira simples, ordinária e profundamente entregue ao que há de importante no mundo.

“É estranho que o que pensamos serem os nossos valores máximos - que imaginamos tão sólidos e inexpugnáveis como paredes grossas, como se nos definissem como pessoa - consigam de repente tornar-se elásticos, suaves e leves.”


Foram esses valores elásticos que me trouxeram a essa leitura, até a possibilidade de observar detalhes cotidianos nos moldes clássicos, sem esquecer que é no hoje que vivemos.

O que ela faz na última semana, na última ação que descreve após o aprendizado em seis longos percursos filosóficos, ora divertidos, ora sofridos, não gostaria de dizer, mas gostaria de fazer um convite a essa leitura. Breve e elucidativa, a escrita de Ilaria Gaspari, muito bem traduzida por Cézar Tridapalli para o português brasileiro pela editora Âyiné, mostra que a filosofia serve para nos abrir os olhos para um pouco do aprendizado que de fato importa.

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