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Foto do escritorRaquel Casini

Leituras da Raquel I — A filha perdida, de Elena Ferrante


O primeiro livro que li inteiro em italiano foi escrito pela Elena Ferrante e assim também foram o segundo e o terceiro. Foi por meio das palavras dela que percebi que o italiano era uma língua que eu sabia, que eu conhecia bem. Sempre que sinto saudade dessa sensação da novidade que aquelas palavras me causaram eu procuro outro livro também escrito por ela e leio, sem compromisso, em busca de respostas a uma pergunta que não sei qual é. Quase todas as vezes em que isso aconteceu, a leitura ficava ecoando na minha memória e eu passava a revisitar o novo conhecido e não mais a série napoletana, minha primeira leitura.


Foi mais ou menos assim que cheguei até A filha perdida, de Elena Ferrante. O título original é La figlia oscura. Oscura.


Segundo o dicionário Treccani, oscuro é privo o scarso di luce, non illuminato, in genere il contrario di chiaro. Sem luz, sem lume. A escolha desse livro se deu graças a essa palavra. Oscura trouxe até o centro da paisagem do meu pensamento os versos mais conhecidos do Sommo Poeta Dante Alighieri no início da Commedia:


Nel mezzo del cammin di nostra vita

Mi ritrovai per una selva oscura.


A selva escura, desconhecida, quase ameaçadora me fez relacionar tal imagem com a imagem de uma filha. Só há filha se há mãe, mas uma filha oscura não me foi fácil compreender. Foi quase um exercício de imaginação doloroso. Uma filha desconhecida, ausente, distante da luz me fez ler esse livro rapidinho, em um dia ou dois, e pensar muito na condição de mulher, de ser filha oscura, de ter uma filha oscura e a maneira introspectiva na qual a narrativa se dava me irritava um pouco.

É difícil ler palavras que se assemelham tanto ao pensamento como ele é: confuso e quase sem sentido.


Por mais explicado que fique em narrativa ficcional, em cinema, em experiência que se repete e se repete e se repete é sempre inexplicável a maternidade, a feminilidade, o silêncio do pensamento de milhares de mulheres.


A protagonista, Leda, gosta das filhas, claro que gosta, mas desgosta muitas coisas que vem junto da maternidade e que muitas vezes nem são culpa das filhas.


“Pobres criaturas saídas de mim. O que acho mais bonito nelas é aquilo que desconheço. Assim não é minha responsabilidade.”


Diz a Leda do filme recém saído na Netflix, mas é nas cenas quase mudas que ela mais se comunica, assim como a narração do livro se dá mais profundamente nos momentos em que Leda nada diz e não faz nada além de mergulhar no próprio pensamento.

Ela gosta das filhas, claro que gosta, mas o introspectivo intraduzível do próprio pensamento não faz parte só da dicotomia gostar ou não gostar. O livro é desordenado, assim como o filme e os papéis sociais que as mulheres devem cumprir muitas vezes, mas é bonito, apesar de incômodo, estranho e ofegante.


Elena sarebbe stata contenta di riavere la sua bambola, mi dissi. O no, un bambino non vuole mai soltanto quello che chiede, anzi una richiesta soddisfatta gli rende ancora più insopportabile la mancanza non confessata.


“Elena teria ficado contente em ter de volta sua boneca, disse a mim. Ou não, uma criança nunca quer somente aquilo que pede, além do mais, um pedido atendido deixa nele ainda mais insuportável a ausência não confessada.”


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